sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Exegese dos Ícones

A Exegese dos ícones associados a Jesus Cristo nos fazem crer que há uma estratégia midiático-viral encarregada de atualizar um modus operandi alicerçado na in-distinção entre a imagem do objeto e o objeto-em-si. Tal in-distinção evidentemente favorece a des-integração dos conceitos que estabeleciam os critérios do assombro ou perplexidade ante os inteligíveis divinos. Critérios inadmissíveis atualmente, mas que operavam de maneira estável nas estruturas sociais tidas como arcaicas. A contemporaneidade não estaria sendo uma vítima funcional da overdose iconográfica também no plano das performances e considerações místicas e/ou espirituais ao aceitar a iconização de Cristo como uma estratégia para se fazer mais bem compreendida quando anuncia ou aprecia o Evangelho? Se a Revelação nos apresenta Jesus Cristo como a Imagem do Deus Invisível (Cl. 1.15), não seria razoável abrir espaço para um questionamento de toda estratégia extra-Revelação que tenta iconizar Jesus Cristo? O Próprio Jesus Cristo, a Imagem do Deus Invisível, caracterizando um paradoxo para nossa apreciação estética, seria o paradigma para não aceitarmos a proposta de difusão de sua iconização justamente porque Ele mesmo – não a sua iconização – é a Imagem [Visível] do Deus Invisível. A sociedade contemporânea, porém, inocentando a proliferação icônica em todos os níveis de atua[liza]ção, prefere aceitar a ilusão de correspondência entre a iconização de Cristo e Cristo a aceitar a correspondência no plano da recepção fenomênica, se assim pudermos dizer, entre Cristo e o Deus Invisível. Jesus Cristo, com total propriedade, é o Ícone do Deus Invisível. Todo ícone de Jesus Cristo, contrariando o funcionalismo inconseqüente das superficialidades instrumentais, por mais adequado que esteja aos padrões [est]éticos dos humanos, e por melhor que sejam as suas intenções, não passa de um ídolo ou o ícone de um ídolo...

Era Paulo influenciado pelo Gnosticismo?

Acreditar que o apóstolo Paulo seja influenciado pelo pensamento helênico, do ponto de vista ideológico, e pelo pensamento judaico-farisaico, do ponto de vista religioso, parece-me estar alicerçado numa pré-Concepção de índole liberal que privilegia – sob um determinado aspecto – o determinismo naturalista. Ou seja, Paulo não poderia deixar de ser influenciado pelo Zeitgeist em que estava inserido.
O credo liberal prossegue: na medida em que todos os setores da existência humana trazem como um traço distintivo as influências determinantes do contexto social, conscientes ou inconscientes, sobre a singularidade existencial de um indivíduo, por que não aceitarmos como sendo razoável a opinião de que Paulo apresente em seus ensinamentos algo no âmbito gnosio-lógico que seja o resíduo do gnosticismo grego? Se acreditarmos que os dados do Sitz im Leben – fornecidos pela Historiografia – em que Paulo produziu seus ensinamentos correspondem à Realidade, a resposta parece simples. Se, porém, questionarmos os critérios adotados pela Metodologia Crítico-Historiográfica, a resposta merece, no mínimo, uma suspensão céptica, porquanto é extremamente questionável a suposta neutralidade da objetividade científica em qualquer domínio do saber.
Parece-me ser mais razoável reconhecer que a gnosis grega, através de suas duas vertentes: a mística e a racional, não encontra em Paulo um espaço de atuação, porquanto está associada a uma concepção de que a soteria depende da gnosis do mundo divino, que só poderia ser propiciada através da iniciação. Na doutrina de Paulo, Cristo é a gnosis tou Theou dissociada da gnosis tou kósmou. Dissociação esta que, opondo-se à crença de que a iniciação aos mistérios gnósticos seja um meio de salvação, atribui a Cristo – não à gnosis – o poder soteriológico. A soteria a que Paulo se refere encontra somente em Cristo sua razão de Ser. A gnosis dos gnósticos não pode conferir, segundo Paulo, a graça redentora, pois pressupõe a necessidade de ritos de penitencia como instrumento de disciplina do espírito, ancorando-se fragilmente em uma pistis estranha à pistis tõ Khristõ...
Acreditar que Paulo seja influenciado pelo gnosticismo grego parece ser a conseqüência lógica da crença liberal, que atribui, de certo modo, à Metodologia Crítico-Historiográfica um estatuto de validade inquestionável, o qual propicia, segundo as inclinações idiossincrásicas do sujeito cognoscente, conclusões, crenças, teses, hipóteses ou opiniões que, na melhor das hipóteses, talvez se aproximem da Realidade. Conclusões, crenças, teses, hipóteses ou opiniões devem – historiográfica e criticamente também – corresponder às suas próprias definições. Caso contrário, corre[re]mos o risco de ter a Metodologia Crítico-Historiográfica como um objeto de fé. Nesse sentido, seu cânone de instrumento dogmático para tentativa de controle das Sagradas Escrituras será pelo menos indiferente, para não dizer adverso, à idéia de que Paulo rejeita a doutrina gnosticista.

Sobre a Intenção do Interpretante

Nossa pre-tensão diz que temos o domínio do Sitz im Leben associado a determinado corpvs textual. Uma vez admitida tal pré-Tensão, resta-nos assegurar quais são os critérios mínimos necessários para afirmar[mos] algo acerca do Texto ou do[s] objetivo[s] do autor quanto ao[s] seu[s] conteúdo[s]. Uma vez que não temos o autor diretamente à nossa disposição, a única alternativa que nos resta é a Probabilidade, haja vista que somos propensos ao Equívoco em nome de uma Pretensa Neutralidade. A compreensão do[s] inter-relacionamento[s] de todos os fluxos que consubstanciam a Realidade jamais estará ao nosso alcance. A indubitabilidade da intenção do autor, tendo suas implicações no domínio supra-contextual, posto que é Revelação, requer a nossa humildade no domínio do Texto, com-Texto, pré-Texto e inter-Texto. Caso contrário, nossa subjetividade – em nome de um legítimo processo exegético-hermenêutico pretensamente objetivo – passará a operar apenas como um princípio interpretante que traz em si os fundamentos da traição, porquanto a constatação de não termos diretamente a presença do autor à nossa disposição passa a ser descartada plena e essencialmente no processo de Investigação Textual. Nesse sentido, inevitavelmente, o Texto passa a ser aquilo que queiramos que ele seja. Somos a bússola de sua atualização. Somos traidores disfarçados de hermeneutas, em nome da Legítima Interpretação...

Sobre o Louvor e Adoração

Louvor e adoração agora parecem caracterizar o centro nevrálgico da liturgia evangélica contemporânea. Não se trata, na esfera místico-religiosa, da transposição do clamor da turba implicado no adágio panes et circenses? Se o Senso Comum solicita louvor e adoração, por que seria sensato contradizer-lhe? Segundo a opinião do povo, o pão e o circo representavam a generosidade do império romano. Do mesmo modo, parece ser generoso acreditar que tal modus operandi de louvor e adoração essencialize o processo litúrgico contemporâneo. Há, porém, um dado fundamental a ser questionado: por que o louvor e a adoração precisam ser considerados urgentemente objetos específicos de determinados ministérios? Por que não considerar a participação de todos no culto como sendo um fenômeno de louvor e adoração? Por que somente a música e canto outorgam para si o estatuto de louvor e adoração ? Não seria mais sensato admitir que a música e canto tenham o seu momento no processo litúrgico-cultual? Ou melhor dizendo: também os músicos e os cantores têm a sua participação no processo litúrgico-cultual. Todos os cristãos são adoradores de Deus, mas nem todos os cristãos são cantores ou músicos, isto é, nem todos estão envolvidos com a música e/ou canto no processo litúrgico-cultual ou ministerial. Há, na verdade, um exclusivismo dos músicos e cantores evangélicos, os quais discretamente reivindicam para si o atributo de adoradores, ignorando uma realidade meta-física essencial: todos aqueles que crêem verdadeiramente em Cristo são adoradores de Deus, quer sejam músicos, cantores, não-músicos ou não-cantores.